Por Aymê Tavares – Roraima
Uma parede antes em branco agora carrega símbolos, histórias e visões de mundo de cinco etnias indígenas diferentes que convivem no Abrigo Janokoida, em Boa Vista. A transformação aconteceu com a criação do Mural da Memória e Resistência Indígena: Tecendo Cosmovisões em Comunidade, uma ação artística coletiva que envolveu escuta, criação compartilhada e pintura colaborativa.
A iniciativa foi realizada pelo Coletivo PLAC, formado por estudantes do Curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Roraima (UFRR), com o apoio da equipe de Proteção de Base Comunitária.
“O trabalho artístico é esse momento de fazer algo que lhes possibilite lembrar do que tinham, mas trazer isso para um lugar novo, é uma questão de pertencimento — emocional e cultural. Um registro do que eles são, da onde vieram, e do que podem construir juntos aqui”, destacou a professora Leila Adriana Baptaglin, coordenadora do coletivo PLAC e docente da UFRR.
Para o Oficial de Proteção de Base Comunitária, Marvin Edwards, desde o início do projeto buscou-se criar um espaço que traduzisse, por meio da arte, as vivências de quem passa pelo Janokoida.
“Cada etapa do processo foi guiada pela escuta atenta às histórias, memórias e afetos das pessoas abrigadas, é importante ressaltar que sem a parceria com o coletivo PLAC nada disso seria possível”.
Etapas do projeto: escuta, criação e pintura
A construção do mural aconteceu em quatro momentos principais:
- Escuta com as lideranças: Representantes das etnias presentes no abrigo foram convidados para uma roda de conversa sobre suas cosmovisões, símbolos culturais, paisagens e memórias de origem. A pergunta central era: “O que representa sua cultura?”
- Criação artística coletiva: A partir dos desenhos e falas da comunidade, a equipe do coletivo PLAC organizou os elementos em uma composição visual única. O objetivo era refletir o coletivo sem apagar as identidades individuais.
- Atividade com as crianças: Em paralelo à construção do mural, foram realizadas oficinas com as crianças do abrigo, aproximando os pequenos do processo artístico e reforçando o vínculo com a cultura de origem.
- Pintura do mural: A arte ganhou forma nas paredes do abrigo com a participação direta dos próprios moradores. O coletivo projetou os desenhos na parede, e a comunidade ficou responsável pela pintura, guiada tecnicamente pelos voluntários.
Com cores vibrantes e elementos simbólicos que representam a força, a ancestralidade e os vínculos com a natureza, o mural finalizado no Janokoida se torna um marco visual da memória e resistência indígena.
A obra traz paisagens, animais, rios, utensílios e uma figura feminina central, símbolo de conexão espiritual e identidade. Mais do que uma pintura, o mural é fruto de escuta, colaboração e respeito às cosmovisões das etnias que hoje habitam o abrigo.
Parcerias como essa entre a Universidade Federal de Roraima, a AVSI Brasil e a comunidade reafirmam o papel transformador da arte e da educação, não apenas como instrumentos de expressão, mas como pontes que fortalecem vínculos, resgatam pertencimentos e constroem espaços mais sensíveis e humanos.