Rut atuava na área militar como oficial da Marinha, e no Brasil trabalha numa rede de fast food. Mudança de planos possibilitou crescimento pessoal e perspectivas para atingir novas metas
Migrar para outro país em busca de novas oportunidades é uma decisão enfrentada por milhares de pessoas, em diferentes circunstâncias – seja em decorrência de uma crise econômica e social – a exemplo de quem saiu da Venezuela nos últimos anos -, ou que escapou de conflitos em outros países no mundo. Nesta perspectiva, muitas pessoas se deparam com um dilema que pode mudar suas vidas para sempre: a carreira profissional. No momento em que uma pessoa deixa o seu histórico profissional de lado em busca de uma chance para sobreviver em outro país, há elementos que precisam ser considerados como forma de crescimento pessoal. A capacidade de agir com
coragem e desprendimento; a disposição em aprender algo novo e a busca pela superação são alguns exemplos.
Essa foi uma realidade enfrentada pela venezuelana Rut Sinai, 29. Natural de La Guaira, capital do estado Vargas, ao norte do país, ela concluiu os estudos e iniciou carreira militar aos 16 anos. Em 13 anos na área, ela trabalhou também em outras regiões como Puerto Cabello e Caracas, porém, no início de 2020, se viu com muitas dificuldades para manter seu sustento. Depois de pesquisar alguns países, como possibilidade de migração, optou por viajar para o Brasil e recomeçar a vida a partir do zero. Juntou algumas reservas financeiras e comprou uma passagem de ônibus, viajando sozinha até Pacaraima, na fronteira com o Brasil, onde providenciou seus documentos e depois seguiu a viagem para Boa Vista. “Não tive medo, estava bem decidida, mas é preciso coragem para enfrentar esses novos desafios”, diz. Na nova cidade ela trabalhou como babá, em algumas casas e como diarista, em outras – mas ainda sonhava em explorar o país e conseguir um emprego formal.
Foi então que ela procurou o Pitrig (Posto de Interiorização e Triagem), da Operação Acolhida, e começou a realizar algumas atividades como voluntária. Ali ela soube de uma seleção aberta para venezuelanos trabalharem como atendentes para uma rede de restaurantes de fast food, em Brasília. “Não pensei duas vezes, enviei meu currículo e fui chamada para a entrevista. E aqui estou”, diz. Ela já havia estudado sobre a capital federal e tinha a intenção de se candidatar em alguma oportunidade nesta localidade. “Gostei do que li sobre Brasília e acho que é um lugar que pode oferecer mais oportunidades”, avalia.
Em agosto, Rut passou no processo seletivo aberto pelo grupo Levvo, juntamente com outros dez venezuelanos que estavam em Boa Vista. Antes eles passaram por uma preparação organizada pela ONG Refúgio 343, com aulas de português, capacitações técnicas e treinamentos de habilidades comportamentais para a entrevista de emprego.
A interiorização do grupo para Brasília contou com a parceria AVSI Brasil, através do projeto Acolhidos por meio do trabalho, que oportunizou moradia temporária durante os três primeiros meses para todos os contratados e suas famílias. Eles também contam com o acompanhamento de um assistente social para apoiá-los na integração com a empresa e na comunidade local durante esse período.
Assim como Rut, todos os venezuelanos trabalhavam em postos diferentes anteriormente, atuando em áreas distintas como Enfermagem, Economia e Engenharia, por exemplo. Em Brasília, a oportunidade garantiu um registro em carteira na posição de atendente. Mas isso não foi uma barreira para nenhum deles, pelo contrário, todos almejam abraçar a oportunidade para adquirirem novos conhecimentos. Alguns já sonham com um posto na gerência dentro da empresa. Já Rut quer aproveitar a oportunidade para melhorar o idioma e explorar a região. “Estou feliz morando aqui e com um emprego, porém quero crescer mais, talvez me aproximando de algo relacionado a minha formação, como a área de segurança do trabalho, por exemplo. Mas até lá, será preciso trabalhar muito e planejar o novo futuro daqui para a frente”, considera.
Para a Virgínia Vicentini, RH estrategista na AVSI Brasil, é muito positivo identificar profissionais resilientes e com capacidade de adaptação. “É importante que empresas e profissionais avaliem suas atuações para que os seus valores e comportamentos pessoais possam ser valorizados e potencializados neste processo. O único alerta é
que o profissional esteja atento para perceber se a atividade – mesmo que seja uma novidade – pode oferecer caminhos para potencializar as suas habilidades e possibilite novos aprendizados”, informa.
A especialista também lista algumas recomendações importantes para pessoas que se deparam com esta situação:
Buscar oportunidades para aproveitar e potencializar as habilidades que já possui;
É importante se conectar com a missão e propósito da empresa;
Interagir cada vez mais com a cultura local e desenvolver a fluência verbal;
Cursos profissionalizantes e de formação técnica são boas dicas para uma rápida inserção no mercado de trabalho;
Construir networking com a nova comunidade (participar de associações, oferecer serviços voluntários, acompanhar os trabalhos das organizações da sociedade civil entre outras).
O projeto
O Acolhidos por meio do Trabalho é implementado pela AVSI Brasil e Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), com o envolvimento da Fundação AVSI e AVSI-USA e financiado pelo Departamento de População, Refugiados e Migração (PRM) do Governo dos Estados Unidos. Entre as principais ações, o Acolhidos por meio do trabalho prevê a colocação no mercado de trabalho e interiorização de venezuelanos adultos com suas famílias, além da colocação no mercado de trabalho de brasileiros em situação de vulnerabilidade social; e cursos preparatórios vinculados ao mercado de trabalho e de língua portuguesa e formação em direitos e deveres laborais, entre outros aspectos.