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Trabalho Coletivo e Renda: Mulheres Quilombolas no Semiárido Baiano

Conheça o grupo produtivo que impulsiona a economia local com a produção de sequilhos e licores no quilombo de Pau Preto.

Por: Tayna Silva

Aprendemos que nosso trabalho tem valor e isso não tem preço. Com essa frase, que ressoa como um manifesto de força e autoestima, Márcia, integrante do Grupo Produtivo Mulheres Quilombolas de Pau Preto, sintetiza a transformação vivida pelo grupo: o resgate do protagonismo de cada mulher, a reconexão com suas raízes e a descoberta do poder do trabalho coletivo no fortalecimento da comunidade e na geração de trabalho e renda.

Empreendedorismo feminino e economia solidária

Márcia, Silvana, Clemilda e Iranildes estão entre as 14 mulheres que formam o Grupo Produtivo Mulheres Quilombolas de Pau Preto, localizado na comunidade quilombola de Pau Preto, região de Salitre, Bahia. O grupo surgiu em 2021 para fortalecer a comunidade e gerar renda por meio da produção artesanal de sequilhos, doces e salgados e do licor de tamarindo, combinando tradição, identidade regional e saberes ancestrais.

A história do grupo está conectada à Associação de Moradores do Pau Preto, criada em 1999. Com a maioria das mulheres na diretoria, a associação serviu de base para que elas estruturassem um negócio sustentável, impulsionando o empreendedorismo feminino no semiárido.

Produção artesanal e desafios do negócio sustentável

Para colocar essa ideia em prática, as integrantes tinham disposição para trabalhar, mas precisavam começar do zero. O primeiro desafio foi garantir um local adequado para a produção. A solução foi reformar a cozinha da associação de moradores, um espaço inacabado que exigia grande esforço para se tornar funcional.

“Olhávamos para a situação e não tínhamos dinheiro nem recursos. Aí pensamos: o que vamos fazer agora?”, relembra Clemilda, uma das fundadoras do grupo. A resposta veio com uma rifa organizada por elas. Com o dinheiro arrecadado, iniciaram a reforma, instalando o forro do teto. Depois, com apoio da AVSI Brasil, concluíram o piso e o revestimento das paredes.

A chegada do projeto Semiárido Sustentável — Desenvolvimento de Salitre marcou um ponto de virada. Além da reforma da cozinha, o grupo recebeu uma cisterna e o sistema Aqualuz, que purifica água por radiação solar, garantindo acesso à água potável no semiárido. A iniciativa também trouxe consultoria administrativa e capacitação em vendas, permitindo que as mulheres aprendessem a calcular custos, definir preços e estruturar as operações do grupo.

“Antes, trabalhávamos, mas não tínhamos noção dos custos, do que ganhávamos e do valor da nossa mão de obra”, explica Márcia. Com o apoio da consultora Patrícia, elas realizaram um estudo de viabilidade e aprenderam a calcular custos, identificar a margem de contribuição de cada produto e organizar as vendas.

Crescimento, capacitação e visibilidade

A produção de sequilhos, iniciada após uma capacitação do SENAI em parceria com a AVSI Brasil, tornou-se o carro-chefe do grupo. Além disso, inspiradas por um intercâmbio com outro grupo de mulheres quilombolas, elas desenvolveram um licor de tamarindo, fruta abundante na região.

Embora a atividade ainda não seja a principal fonte de renda das famílias, os impactos positivos já começam a surgir. Em janeiro deste ano, as mulheres conseguiram expandir as vendas para Juazeiro, graças a uma parceria com outra instituição.

Participar de feiras regionais se tornou uma estratégia essencial para o crescimento do grupo. A primeira experiência, em um evento organizado pela AVSI Brasil para os moradores da região, foi um marco. “Contamos com o apoio da Patrícia, que nos orientou sobre custos, embalagens, pesagem e todas as burocracias envolvidas na venda em feiras”, conta Silvana. Desde então, elas participam de eventos em Junco e Goiabeiras, onde comercializam seus produtos e ampliam a visibilidade do grupo.

Novas perspectivas e impacto

Atualmente, o principal objetivo das mulheres quilombolas é transformar a produção de sequilhos e licores na fonte de renda central da comunidade, garantindo autonomia financeira. “Temos conhecimento técnico, determinação e mão de obra qualificada. Agora, buscamos oportunidades para ampliar a produção e alcançar novos mercados”, afirma Silvana. Apesar dos desafios, o grupo segue unido e resiliente, impulsionado pelo sonho da autossuficiência.

O impacto do projeto, no entanto, vai além da geração de renda. Para Iranildes, a criação do grupo fortaleceu a autoestima, o protagonismo e a união das mulheres: Hoje, nos sentimos mais fortes. Estamos cada dia mais potentes, tomando decisões e correndo atrás dos nossos objetivos”. Para muitas das integrantes, o grupo se tornou um espaço seguro de apoio e acolhimento. “Aqui a gente compartilha histórias, se apoia. Não é só sobre trabalho, é sobre cuidar uma da outra”, completa Iranildes, que convive com depressão e ansiedade.

Semiárido Sustentável e iniciativas de geração de trabalho e crescimento econômico

Entre novembro de 2021 e outubro de 2024, o projeto Semiárido Sustentável — Desenvolvimento do Salitre, financiado pela Enel Green Power e pela Fundação Banco do Brasil, atuou de forma integrada para enfrentar os desafios do semiárido, marcado por longos períodos de estiagem e escassez hídrica.

A iniciativa contemplou desde a construção de cisternas e fossas ecológicas até a instalação de sistemas de reuso de água e oficinas de agroecologia, beneficiando famílias de 26 localidades e escolas públicas nos municípios de Campo Formoso e Juazeiro. No total, mais de 1.300 pessoas foram diretamente impactadas.

Em 2024, no eixo de trabalho e crescimento econômico, a AVSI Brasil beneficiou quase 6.000 pessoas por meio do Semiárido Sustentável — Desenvolvimento do Salitre e de outros projetos voltados à formação profissional, ao desenvolvimento humano e à capacitação para o mercado de trabalho.