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HISTÓRIA DE VIDA, DE RESILIÊNCIA E ESPERANÇA

Dona Emília Biale enfrentou as enchentes de 2024 no RS, a perda da filha e a reconstrução de sua casa, contando com o apoio da comunidade de Mathias Velho e do projeto “Apoio à recuperação das comunidades afetadas pelas enchentes em Canoas”, da AVSI Brasil.

Por: Tayna Silva

Aos 77 anos, Dona Emília Biale carrega no olhar a marca de quem sobreviveu às tempestades da vida e da natureza. Moradora do bairro Mathias Velho, em Canoas, ela personifica a resiliência de uma comunidade atingida pelas enchentes históricas de maio de 2024 no Rio Grande do Sul.

Natural de Encruzilhada do Sul, Dona Emília deixou sua terra natal aos 17 anos para trabalhar. Foi em Canoas — onde mora há 56 anos — que construiu sua trajetória, casou-se e ergueu a casa onde viveu grande parte de sua vida. Foi também nesse lar que tomou a decisão de adotar sua sobrinha, Rosane, a quem criou com muito carinho.

O diagnóstico e a luta contra a doença da filha

Onze meses antes das enchentes, Rosane, filha adotiva e cuidadora de Dona Emília, foi diagnosticada com um câncer agressivo. “Os médicos disseram ser um câncer de células grandes, que migrava pelo corpo, que eles não tinham controle e que isso ia durar um tempo, mas que a gente já sabia que não ia ter cura”, relembra Dona Emília.

Mesmo doente, Rosane permaneceu ao lado da mãe. “Na época da enchente, minha filha estava comigo. O marido dela faleceu há muitos anos, e ela já vivia sozinha há cerca de 30 anos”, conta.

Maio de 2024 — As enchentes no RS

Em 3 de maio de 2024, as águas do Rio Gravataí atingiram o bairro de Dona Emília, forçando-a a abandonar sua casa às pressas. Sua maior preocupação era garantir que ela e Rosane estivessem seguras. “Quando a água começou a subir, tivemos que sair rapidamente. Minha preocupação era pegar a sacola com os remédios da Rosane e algumas roupas que estavam no varal. Saímos às 5h30 da manhã, pois a água já chegava perto do mercado”, recorda.

Ela encontrou abrigo na casa de amigos, onde precisou de apoio para se locomover devido a um braço recém-fraturado, que a impedia de realizar tarefas simples. Quando as águas baixaram, Dona Emília pôde revisitar a casa que havia sido forçada a abandonar. “Ao voltar, encontrei tudo revirado pela força da enchente: fotos, objetos espalhados pelo chão, nada aproveitável. Meus parentes de Caxias vieram auxiliar na limpeza, pois, com meu braço enfaixado, eu não conseguia fazer quase nada”, relembra.

Enquanto isso, a saúde de Rosane piorava, e a distância entre mãe e filha tornava o momento ainda mais difícil. Para continuar o tratamento, Rosane foi para a casa do filho, em São Leopoldo. Já Dona Emília tentava lidar com a destruição de seu lar.

O falecimento de Rosane

Em julho de 2024, Dona Emília recebeu de sua irmã uma viagem para descansar por alguns dias. No entanto, ao retornar, soube que Rosane havia sido internada e estava recebendo apenas cuidados paliativos.

Quando cheguei no hospital, ela já estava muito fraca, quase não falava mais, estava emocionalmente abalada. Quando me viu, disse: ‘Mãe, tu vais embora’, como se soubesse o que estava por vir. Ela começou a chorar e eu fiquei com ela, passei aquela noite inteira ao seu lado e mais um dia. Quando ela faleceu, descansou, porque já estava sofrendo muito”, relembra Dona Emília.

Reconstrução

Dona Emília enfrentou a dor da perda da filha e a destruição de sua casa. “Durante o período de caos, passei alguns dias sem conseguir lidar com tanta perda e sofrimento. Fiquei na casa do meu neto por um tempo e, depois, decidi sair. Por fim, fui morar na casa de uma amiga, a Adriana, que também recebeu uma visita da equipe de vocês”, conta.

A solidariedade da comunidade ajudou a preencher os vazios deixados pelo desastre. “Cheguei a pensar: ‘Como restaurar tudo se não é fácil?’. A casa estava num estado de abandono. No começo, quando nem pensei em voltar, vieram as doações como o fogão e os móveis da cozinha, cortesia da comunidade e da igreja. Tudo ajudou a preencher os vazios deixados pelo desastre”, diz, emocionada.

A chegada da AVSI Brasil

Foi nesse contexto de reconstrução que Dona Emília conheceu a AVSI Brasil. A equipe do projeto “Apoio à recuperação das comunidades afetadas pelas enchentes em Canoas” que atua desde outubro de 2024 na comunidade de Mathias Velho, visitou sua casa para entender suas necessidades e oferecer suporte. O projeto tem como meta atender 120 famílias com assistência social, equipamentos e mobiliário, garantindo condições mínimas para que possam retomar suas vidas com dignidade.

Quando a equipe da AVSI Brasil veio, pude identificar os detalhes que faltavam para a reforma da casa. Lembrei de coisas como o balcão do banheiro e até o colchão que precisava ser substituído. Em seguida, fui surpreendida com a doação de uma máquina de lavar — um item essencial para mim, pois, após quebrar o braço, fiquei sem condições de torcer a roupa manualmente. Ainda sinto dormência nessa mão, e a máquina tem sido de grande ajuda.”

Contribuição para a comunidade

Agora, além de cuidar das próprias roupas, Dona Emília colabora com a paróquia de sua comunidade. “Além de facilitar minha rotina, a máquina também me permite colaborar na igreja, lavando toalhas e vestes que ficam guardadas para os padres que precisam usar nas celebrações”, conta.

Para Dona Emília, essa é uma forma de retribuir todo o acolhimento que recebeu; “Foi ótimo ter o apoio da amizade e da comunidade. Aos poucos, fui me recuperando do impacto da tragédia e da morte da minha filha”.

Graças à solidariedade da comunidade e ao suporte do projeto Apoio à recuperação das comunidades afetadas pelas enchentes em Canoas,” Dona Emília conseguiu reconstruir sua casa e retomar sua rotina com mais dignidade. “Quero agradecer muito à equipe da AVSI Brasil que veio com tanta boa vontade, diversas vezes, para trazer ajuda — seja para o que estava faltando ou para apoiar no que eu precisasse. Essa visita de vocês sempre me deixou muito feliz. Que Deus abençoe esse trabalho, feito com tanta dedicação e carinho, que traz tanta alegria para as famílias que vocês visitam”, finaliza.

Em 2024, a AVSI Brasil atuou em duas frentes emergenciais: o projeto “Apoio à recuperação das comunidades afetadas pelas enchentes em Canoas” e o “Projeto São Sebastião — Juntos pela Recuperação e Resiliência.” Financiadas pelo Center for Disaster Philanthropy (CDP), essas iniciativas impactaram mais de 6.000 pessoas na reconstrução e no amparo a comunidades em emergências.