Por: Tayna Silva Marcelo
O XV Encontro da AVSI Brasil teve início no dia 05 de agosto, em São Paulo – SP. A abertura foi marcada com uma visita à Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo (ATST), seguida de painéis formativos conduzidos pela diretoria da organização e convidados. Fabrizio Pellicelli, diretor-presidente, e Jacopo Sabatiello, vice-presidente da AVSI Brasil, apresentaram o percurso institucional e os desafios futuros. Na sequência, os convidados Francisco Borba e Alexandre Ferrari aprofundaram temas ligados à missão e identidade da AVSI no cenário atual.
A visita à ATST integrou a proposta formativa do encontro, oferecendo aos participantes uma experiência concreta sobre como nasce e se desenvolve uma organização da sociedade civil a partir de uma necessidade real. Fundada em 1986, a ATST surgiu por iniciativa popular como resposta à falta de moradia digna e estruturou um modelo coletivo de aquisição de terrenos, consolidando ao longo dos anos uma atuação que articula mobilização comunitária, acesso a direitos e fortalecimento da autonomia das famílias.
Gênese de uma obra social
“Vocês estão fazendo alguma coisa para que as pessoas tenham terra, ou só rezam?” — essa provocação lançada pela Campanha da Fraternidade de 1986 foi o ponto de partida para a mobilização que deu origem à Associação. Ao optar por não participar de ocupações, mas aprender com elas, o grupo organizou famílias interessadas em adquirir terrenos de forma legal e coletiva. O que começou com um terreno para 18 famílias, hoje se multiplica em 36 áreas adquiridas, na capital paulistana e em 16 cidades do interior do estado de São Paulo, beneficiando mais de 40 mil famílias com acesso legal à terra e à moradia

Dimensão humana
A trajetória da ATST exemplifica como vínculos de confiança, senso de pertencimento e corresponsabilidade são determinantes para a sustentabilidade de uma obra social. Desde sua fundação, a participação ativa das famílias e a construção de relações baseadas no compromisso coletivo permitiram que o trabalho avançasse mesmo em contextos adversos.
“Acho que a coisa mais importante, que aprendi dentro do movimento, com Dom Luigi Giussani, é que você tem que criar protagonistas. A pessoa tem que ser protagonista da vida dela. Tem que sentir que é gente, que é capaz. A pessoa tem que se sentir grande, sentir forte. Afirma Cleusa Ramos, fundadora da associação.
Subsidiariedade na prática
A atuação da ATST exemplifica os princípios da subsidiariedade, que orienta que decisões e ações sejam conduzidas por quem está mais próximo da realidade. Ao organizar as famílias para adquirir legalmente os terrenos, a associação fortaleceu a autonomia coletiva e deu início à construção de bairros inteiros. Mas o acesso à infraestrutura básica: como água, luz, transporte, escola e saúde, não veio de forma automática. Foram anos de mobilização, pressão sobre o poder público e estratégias criativas para conquistar visibilidade e garantir direitos, sempre priorizando a organização e evitando conflitos. O protagonismo das famílias se expressa tanto na ocupação legítima desses espaços quanto na criação de centros comunitários e no compromisso com a vida em comunidade. Trata-se de uma prática que amplia a capacidade de autogestão, sem gerar relações de dependência.

Conexão com a atuação da AVSI Brasil
A experiência da ATST têm forte sintonia com a missão da AVSI Brasil, que compreende o desenvolvimento humano como resultado de uma resposta concreta às necessidades das pessoas e da valorização de cada sujeito em sua totalidade. Assim como a ATST, a AVSI entende que a eficácia de uma obra social depende tanto da qualidade técnica quanto da clareza do propósito que a orienta. Essa convergência é reforçada pelo encontro com o Movimento Comunhão e Libertação, que ofereceu à ATST um novo olhar sobre o sentido do trabalho social: não como esforço isolado, mas como resposta confiável e aberta ao bem comum.
Painéis reforçam identidade institucional e diretrizes futuras
Na parte da tarde, a programação continuou com dois painéis transmitidos ao vivo para todos os colaboradores da instituição. O primeiro, O ideal que move a AVSI Brasil: organização, percurso e diretrizes futuras, foi conduzido por Fabrizio Pellicelli, diretor-presidente da AVSI Brasil, e Jacopo Sabatiello, vice-presidente. A apresentação teve como foco fortalecer o pertencimento à missão, ao propósito e à identidade originária da organização, além de atualizar o repertório de projetos desenvolvidos.
Jacopo Sebatiello afirma que “A AVSI Brasil constrói iniciativas a partir das necessidades das pessoas no território, do parceiro que encontramos… Temos uma capacidade de adaptação que permite nos adequar a diferentes contextos, setores e financiadores.”
Na sequência, o painel A identidade da AVSI e a inspiração na Doutrina Social da Igreja Católica reuniu o sociólogo Francisco Borba e o médico e professor universitário Alexandre Ferrari, com mediação de Fabrizio Pellicelli. O debate trouxe reflexões sobre conceitos estruturantes do método AVSI, como dignidade da pessoa, trabalho, bem comum e o valor do encontro.
Francisco Borba, com trajetória dedicada à interface entre fé, cultura e sociedade, destacou os fundamentos históricos e conceituais da Doutrina Social. Alexandre Ferrari, com experiência na medicina social e no acompanhamento de jovens, abordou o papel do trabalho e do bem comum como elementos concretos na construção de políticas públicas e ações comunitárias.

Caminhos para o bem-comum
O primeiro dia do encontro trouxe uma provocação sobre as relações humanas e a importância do afeto e cuidado com o outro. Durante os debates, Petrik Costa, coordenador de projetos da AVSI Brasil, destacou que o trabalho com populações vulneráveis exige mais do que técnica.
“A gente se coloca como companhia dentro desse percurso de protagonismo. Mas como a gente também pode se beneficiar disso como pessoas? Como fortalecer também quem faz a organização por dentro?”, provocou, ao refletir sobre a coerência entre missão institucional e relações internas.
Em diálogo com a Doutrina Social da Igreja, Francisco Borba aprofundou a ideia de que o bem comum não se impõe, se constrói.
“Só existe uma maneira de chegar ao bem comum: reconhecer que ele é uma construção, não apenas prática, mas também conceitual, que é feita no diálogo. Quando eu converso com o outro querendo saber o que o faz feliz e como isso também pode me fazer feliz, a gente supera os interesses de classe e constrói algo maior”, afirmou durante o painel.