Por: Tayna Silva
“Quando eu cheguei aqui na vila, parecia uma cena de guerra.” A lembrança ainda é vívida na memória de João Teixeira, 64 anos, morador da Vila União dos Operários, em Canoas (RS). Presidente da Associação de Moradores e referência na comunidade desde a década de 1990, ele enfrentou uma das maiores tragédias ambientais do Rio Grande do Sul.
A enchente histórica que atingiu o Rio Grande do Sul em maio de 2024 devastou Canoas. O bairro onde João mora foi cercado por três frentes de água: o dique rompeu nos fundos, transbordou pela parte da frente e invadiu também por outra área vizinha.
No dia 3 de maio, quando os diques romperam, João ainda não acreditava que a água chegaria tão longe. “Achei que ia dar uns 60, 70 centímetros, dois ou três dias e já teria escoado. Mas a água entrou por três frentes e em poucas horas cobriu tudo. Aqui dentro de casa, chegou a dois metros e dez.”
Ele e a esposa conseguiram sair de carro para um abrigo improvisado numa igreja evangélica. Dormiram no veículo. De madrugada, precisaram sair dali também: “Às cinco da manhã, a água já estava batendo na metade da roda dos automóveis. Mais meia hora ali e eu perdia meu carro também. Muita gente perdeu.” Conta.
Durante um mês, João ficou fora de casa. Quando retornou, encontrou destruição. “Não sobrou nada. Perdi colchão, móveis, geladeira, máquina de lavar, livros. Tinha uma estante grande, cheia de livros. Perdi tudo.”
Uma reconstrução coletiva
João, metalúrgico aposentado, sempre esteve envolvido com a Associação de Moradores e com o Conselho Municipal de Saúde. É conhecido no bairro como aquele que “corre atrás” por melhorias. “Sempre fui voltado para o engajamento, desde que vim para cá”, resume.
Como presidente e vizinho, mobilizou a comunidade. A associação organizou mutirões de limpeza, descarte de móveis e apoio às famílias mais vulneráveis, principalmente idosos. “A gente conseguiu produto de limpeza, lava-jato, ajudamos a tirar móveis de dentro das casas. Tinha gente que não conseguia nem começar.”
Foi nesse momento que a AVSI Brasil chegou ao território com o projeto Apoio à recuperação das comunidades afetadas pelas enchentes em Canoas, financiado pelo Center for Disaster Philanthropy (CDP). A parceria renovou o fôlego da associação.
“A AVSI apareceu na hora certa. Já estávamos esgotando nossas forças. Eles chegaram e trouxeram apoio para as famílias mais vulneráveis. O que fizeram pela vila, pela horta comunitária, foi uma coisa que a gente vai levar para a vida toda.”
A atuação no território inclui apoio direto a 120 famílias com assistência social, rodas de conversa sobre moradia segura, fornecimento de mobiliário e equipamentos, e a criação de um Centro de Resiliência Comunitária. João destaca o valor de iniciativas como essa para quem perdeu tudo:
“A gente que ainda tem alguma força vai atrás, mas quem tem 70, 80 anos não tem mais perspectiva de retomar tudo. A AVSI veio pra reerguer essas pessoas, trazer ânimo de novo.”
Recomeçar com o essencial
Hoje, a casa de João já está limpa e reformada. Ele e a esposa voltaram, mas escolheram não refazer o passado nos mesmos moldes. “A enchente serviu pra mostrar que a gente é muito acumulador. Tinha coisa que nem precisava. Vamos ficar com o básico, passo a passo, conforme a perna alcança.”
Além da assistência social direta, a AVSI Brasil também promoveu apoio a empreendedores locais. Trinta microempreendedores receberam capacitação, equipamentos e materiais para retomar seus negócios.
“Teve gente que perdeu tudo que usava pra trabalhar. Agora estão com esperança de retomar sua renda. As meninas da AVSI visitaram, conversaram, deram apoio. Isso levanta o ânimo de quem já tinha jogado a toalha.”
O Apoio à recuperação das comunidades afetadas pelas enchentes em Canoas é financiado pelo CDP, que mobiliza a filantropia para fortalecer a capacidade das comunidades de suportar desastres e se recuperar de forma equitativa quando eles ocorrerem. O CDP oferece aconselhamento especializado e recursos, enquanto gerencia fundos de desastres em nome de corporações, fundações e indivíduos, por meio de concessões direcionadas, holísticas e localizadas. Saiba mais em disasterphilanthropy.org
Foto: Auryn Souza
