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A violência tem um rosto – reflexões sobre o tema na capital da alegria

Com uma média anual de mortes maior que a do país, Salvador vive uma onda de violência que leva cada vez mais jovens da periferia

A cidade de Salvador é conhecida mundialmente por ser a terra da alegria, muito por conta do seu carnaval, uma das maiores festas de rua do planeta, e que em dezembro recebeu o título de ‘Cidade da Música’ pela UNESCO. Mas, para quem vive na capital baiana, é preciso lidar também com outra realidade. Constantemente males como a violência e a guerra do tráfico invadem as vidas dos soteropolitanos e as manchetes da maioria dos periódicos jornalísticos do estado.

Os dados mostram que a violência em Salvador é alarmante e preocupante, principalmente na periferia. Dona da 14ª posição entre as 50 cidades com maior índice de homicídios dolosos no mundo, segundo a ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal, Salvador (e Região Metropolitana)possui uma média superior a 60 homicídios por cada 100 mil habitantes -o que corresponde a uma taxa anual de aproximadamente 3 mil homicídios por ano -, percentual bem superior à média nacional que chega no máximo a 32,4 mortes por 100 mil habitantes, considerada uma das maiores do mundo.

Em comparações com índices mundiais, a capital baiana registra uma média de assassinatos (3 mil por ano) próximo ao contingente morto na guerra civil no Afeganistão em 2015: 3,5 mil. No Congo, onde há mais de 20 anos o país também sofre com uma guerra civil, a média de homicídios por ano chega a 30,8, número parecido com o da Colômbia, país marcado pelo narcotráfico, que tem uma média de 33,4 homicídios por 100 mil habitantes, quase a metade da média soteropolitana, de 60 homicídios. Os dados são da Organização das Nações Unidas (ONU).

Números ou rostos?

Os números têm um rosto, exibem uma face jovem. De acordo com o Mapa da Violência de 2015, de Julio Jacobo Waiselfisz, 113 jovens foram assassinados em 2013 em Salvador, número que contribuiu para o crescimento de 210% a taxa de homicídios dos adolescentes em dez anos. Trazendo para o ano de 2016, desde o primeiro dia do ano até o dia 31 de março, 356 homicídios dolosos já tinham sido registrados em Salvador pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), correspondendo a 12% da média anual de assassinatos em Salvador.

Para o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a falta de saneamento básico, iluminação e até mesmo de lazer, pode facilitar o envolvimento dos jovens na violência. “Às vezes eu chego em alguns locais e me pergunto: ‘o que essas pessoas fazem no fim de semana?’. Muitas vezes o que sobra é o caminho das drogas”, analisa a delegada Francineide Oliveira, coordenadora do DHPP, em entrevista ao CORREIO em maio de 2012.

De acordo com os dados da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), o Subúrbio Ferroviário e a periferia de Salvador são os locais com maior índice de homicídios nos últimos anos. A Baixa do Fiscal, situado no bairro da Calçada, foi considerada a localidade mais violenta de Salvador, seguido de perto por bairros como Lobato e Liberdade (periferia). Outras localidades apontadas pela reportagem como áreas de risco foram Pernambués, Calabetão, Mata Escura, São Caetano e Fazenda Grande do Retiro, por exemplo, onde o policiamento deixa a desejar, facilitando assim a realização de crimes hediondos dolosos.

Segundo levantamento do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), um dos principais responsáveis por esses crimes são os grupos de extermínio, cuja maior atuação acontecemnos bairros do Boiadeiro, Lobato, Plataforma, Paripe, Periperi e Coutos, todos pertencentes ao Subúrbio Ferroviário de Salvador, onde são registrados os maiores números de vítimas destes grupos, cuja maioria é negra e de baixa renda.

A violência também tem cor

Segundo pesquisa do Fórum Comunitário de Combate à Violência (FCCV), entre 1998 e 2004, das 6.308 pessoas assassinadas em Salvador, 5.852 eram negras ou pardas. Um índice de 92,7% frente aos 85% de afrodescendentes que à época formavam a população da capital da Bahia.

Retornando ao levantamento feito pelo Mapa da Violência, para cada branco assassinado, 15 negros são executados na capital, cujos locais mais vulneráveis para negros jovens são os que compõem o Subúrbio Ferroviário (com 22 bairros e 600 mil habitantes).

Atuação na periferia

Esses dados nos atingiram de maneira ainda mais pessoal. Em junho deste ano, o aluno da turma de Help Desk do Projeto Semente de Ciência, Ismael de Oliveira da Silva, de 17 anos, foi morto no dia 19 por espancamento enquanto trabalhava em um bairro periférico da capital. É possível que seus agressores, também jovens, julgassem que ele não deveria estar ali, por ser morador de uma comunidade tomada por uma facção inimiga.

Casos como este fortalecem a importância de projetos voltados para a juventude, como o projeto Semente de Ciência, iniciativa do Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social – SJDHDS e realizado pela AVSI Brasil, instalados em lugares com grande índice de vulnerabilidade social, tentando, dessa forma, ser uma alternativa à criminalidade, pois entendemos que o ciclo da violência instalado é na maior parte das vezes resultado da falta de oportunidade e de um sentido para viver.