Por: Tayna Silva
“Tudo que a gente conseguiu foi de cabelinho e barba, viu?” É assim que seu Aldoino, quase aos 80 anos, resume sua trajetória de mais de seis décadas como barbeiro. Morador do bairro Mathias Velho desde 1985, ele cortou o cabelo de vizinhos, amigos, crianças e idosos e virou referência na comunidade. Mas em maio de 2024, viu tudo que construiu afundar na lama trazida pela enchente.
“A água passou do forro. Quando eu olhei, pensei: será que é minha casinha mesmo?”
Aldoino teve que deixar o local onde morava e trabalhava. Desalojado, ficou quase dois meses sem cortar cabelo. As contas continuaram chegando, como ele lembra bem-humorado. “Eles não querem saber. Chegou cartinha e eu tive que pagar. Mas fui passando as maquinazinhas… e deu certo.”

A história de Aldoino com a barbearia começa cedo, aos 16 anos, cortando o cabelo dos amigos sob um pé de cinamomo, no interior de Santa Catarina. O pai, barbeiro por 62 anos, ensinou Aldoino e os irmãos. O filho relutou no início, mas seguiu o caminho da tesoura.
“Não queria essa profissão, mas um dia botei uma cadeira debaixo da árvore e comecei. Depois fui servir no Exército e continuei cortando lá também.”
Em Canoas, estabeleceu-se em Mathias Velho, onde atendeu por décadas com carisma e leveza. “É uma turma boa. Bastante amigos, amigas, amiguinhos, amigões… Vou virando a vida como Deus quer.”
A enchente destruiu o ponto de trabalho e os equipamentos. A clientela — muitos idosos — também foi atingida, e parte dela precisou se mudar. “Ficaram meio assustados, saíram daqui, mas estão voltando. E eu estou indo e vindo também.”
Foi nesse cenário que Aldoino se inscreveu no eixo de empreendedorismo do projeto Apoio à recuperação das comunidades afetadas pelas enchentes em Canoas, executado pela AVSI Brasil com apoio do Center for Disaster Philanthropy (CDP).
Participou do curso de capacitação ao lado de outros pequenos empreendedores do território. “Foi muito bom. É legal, uma amizade íntima. A gente aprende, troca. Estou com quase 80 anos e continuo aprendendo.”

Com o apoio do projeto, Aldoino recebeu novos equipamentos de trabalho: duas máquinas de corte, tesouras, um aspirador de cabelo e ventiladores.
“Veio na hora certa. Eu precisava muito dessas maquinazinhas. Já estou usando tudo. Está precioso, viu?”
O projeto também oferece capacitação e apoio técnico para que os pequenos empreendedores da região consigam retomar sua atividade com dignidade e autonomia. A iniciativa prevê ainda apoio para aquisição de materiais e fortalecimento da geração de renda local.
Para Aldoino, a ajuda foi motivação. “Esse trabalho que vocês estão fazendo é muito bom. Para as pessoas físicas e pra quem está na iminência de desistir. Abre a mente. É instrutivo, viu?”
Hoje, Aldoino segue atendendo seus clientes com as novas ferramentas. Aos poucos, a rotina vai voltando, e a esperança também. “O dia de hoje não é o dia de amanhã. A vida vai se engrenando”, conta.
O projeto Apoio à recuperação das comunidades atingidas pelas enchentes em Canoas inclui capacitação empreendedora, doação de equipamentos e apoio direto a 30 empreendedores locais. A iniciativa é financiada pelo CDP, que mobiliza a filantropia para fortalecer a capacidade das comunidades de resistir e se recuperar de forma equitativa de desastres.
Para quem vive do ofício há mais de seis décadas, como Aldoino, o que chega com solidariedade, chega forte: “Foi cabelinho por cabelinho que a gente construiu tudo. Agora a gente segue. Tesoura na mão, cabeça erguida e fé.”