Anuncio

Entre Linhas, Laços e Novos Caminhos

Conheça a história de Deusa Nunes, recuperanda da APAC, que transformou sua vida por meio da educação e da costura, com o apoio do Projeto Libélula da AVSI Brasil.

Por: Tayna Silva

“Eu não queria estar privada da minha liberdade, jamais. Mas já que estou, vou aproveitar todas as oportunidades que me oferecerem.” A frase de Deusa Nunes, 43 anos, mãe de duas filhas e natural do interior de Minas Gerais, sintetiza sua trajetória na APAC Feminina de Belo Horizonte. Após cumprir oito meses no regime prisional comum, ela ingressou na APAC e a partir daí, ela encontrou no Projeto Libélula, da AVSI Brasil, uma chance de ressignificar sua vida por meio da educação e da costura.

Ninguém é irrecuperável

A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) adota uma metodologia baseada em direitos humanos e dignidade, focada na reintegração social. Diferente do sistema prisional tradicional, o modelo humanizado da APAC envolve os próprios recuperandos em diversos aspectos, inclusive na gestão do espaço.

Quando chegou à APAC Feminina em 2021, Deusa não tinha esperanças. “Peguei uma sentença alta e achei que não aguentaria. Não conhecia a APAC”, relembra. Na instituição, concluiu o ensino médio pelo programa Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, posteriormente, ingressou no ensino superior. “Consegui uma bolsa na faculdade. Hoje, curso o quinto período de Administração”, conta. A educação, ali, é tratada como direito fundamental, alinhada ao princípio da “plena expansão da personalidade humana”, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O despertar para a costura

Além da formação acadêmica, a metodologia da APAC prioriza a formação cidadã e ética, integrando iniciativas como o Projeto Libélula, que alia capacitação profissional ao desenvolvimento humano. Foi por meio do Projeto Libélula que Deusa conheceu a costura.

O curso, dividido em Formação Humana e Técnica, que contou com um percurso de  90 horas, (60 de formação técnica e 30 de formação humana). As participantes aprenderam desde o manuseio básico de máquinas até a criação de peças complexas, como roupas íntimas e infantis.

Eu não sabia pegar numa agulha para pregar um botão. Se soltava um botão de uma blusa, já deixava para lá, porque não conseguia pregar. Mas, ao me inscrever no curso, comecei a me interessar logo nos primeiros dias”, conta Deusa.

O primeiro grande teste foi confeccionar seu próprio vestido para a cerimônia de formatura do curso. Com a orientação das professoras e sua dedicação crescente, finalizou a peça e, ao vesti-la, percebeu estar trilhando um novo caminho. “Nunca imaginei que conseguiria costurar, muito menos fazer uma roupa inteira. Hoje, sei que sou capaz”, relata.

Na segunda edição do curso, além de aprimorar suas habilidades, Deusa assumiu um papel de liderança, ajudando outras recuperandas a aprenderem a costura. “Ensinar foi ainda mais gratificante do que aprender. Eu me sentia útil, como se estivesse realmente construindo algo para mim e para elas”, relembra.

A Reconstrução do Vínculo Familiar

Um dos momentos mais marcantes da jornada de Deusa no Projeto Libélula foi durante a cerimônia de formatura do segundo curso. Deusa havia convidado uma amiga para entregar o certificado, pois sabia que sua filha trabalhava em horário comercial e não conseguiria estar presente. No entanto, para sua surpresa, ao subir no palco para receber o diploma, viu sua filha na plateia.

“Quando olhei, ela estava lá, linda, maravilhosa, me olhando. Fiquei em choque. Foi o maior presente que poderia receber. Ela pediu ao patrão um intervalo de duas horas só para vir me entregar o certificado e depois voltou para o trabalho. Eu me senti a pessoa mais importante do mundo”, relata emocionada.

Além disso, a costura também permitiu a Deusa se reconectar com sua mãe, que vive a 400 quilômetros de distância e que ela não via há cinco anos. “Mandei quatro calcinhas que confeccionei para minha mãe, lá no Vale do Jequitinhonha. Quando ela recebeu, me mandou uma carta dizendo: ‘Filha, você não esqueceu o meu tamanho, não esqueceu o meu rosto’. Fiquei muito feliz, foi como receber um abraço dela à distância”, conta Deusa.

Novas perspectivas

Hoje, Deusa segue firme no propósito de transformar a costura em um meio de sustento e autonomia quando conquistar sua liberdade. “Quando eu sair daqui, a primeira coisa que quero fazer é comprar minha máquina de costura e começar a confeccionar. Quero ajudar as crianças da Pastoral da Criança e fazer do meu trabalho algo digno para sustentar minha família. Vou colocar minhas filhas para trabalhar comigo e nós vamos crescer juntas”, planeja Deusa, com esperança no futuro.

Em 2024, a AVSI Brasil atuou no eixo de Justiça e Prevenção à Violência em Minas Gerais por meio de três projetos à justiça social e prevenção da violência. O Libélula capacitou 109 mulheres em APACs femininas com cursos de costura e sublimação, promovendo trabalho decente, além de impactar 400 familiares indiretamente. O Revitalizar, em parceria com a Justiça de Belo Horizonte, inseriu 615 sentenciados em penas alternativas por meio de ações ambientais em 24 parques municipais, reforçando práticas sustentáveis e cidadania ativa, com 350 mil horas de serviços comunitários cumpridas desde 2018. O FACEJUS modernizou o comparecimento de 526 apenados com uma plataforma digital, agilizando processos judiciais e garantindo transparência institucional, beneficiando 1.680 pessoas indiretamente. Juntas, as iniciativas alcançaram 1.250 beneficiários diretos e 2.080 indiretos.

Entrevista: Gabriela Consolaro