Por: Tayna Silva Marcelo
A programação do segundo dia do XV Encontro Formativo da AVSI Brasil, realizado em 06 de agosto em São Paulo-SP, teve foco nas transformações do cenário global e em como organizações da sociedade civil podem responder com responsabilidade e consistência aos novos desafios. Os painéis reuniram representantes da Fundação AVSI, AVSI USA, agências da ONU, governo federal, municípios parceiros e instituições do terceiro setor.

Cooperação internacional em tempos de incerteza
O dia começou com o painel O futuro da cooperação internacional em um cenário global em transformação, moderado por Fabrizio Pellicelli, diretor-presidente da AVSI Brasil. Participaram Giampaolo Silvestri, secretário-geral da Fundação AVSI, Colin Murphy, responsável por Parcerias Estratégicas da AVSI USA, Joana Schettino, coordenadora estratégica da Fundação AVSI América Latina, e Maria Beatriz Nogueira, chefe do escritório do ACNUR em São Paulo.
Gianpaolo Silvestri, economista italiano atua na AVSI desde 1996 e é secretário-geral desde 2017. Ele também integra o Conselho Nacional de Cooperação e Desenvolvimento do Ministério das Relações Exteriores da Itália e colabora com o Comitê Interministerial Italiano para os Direitos Humanos. Silvestri detalhou como as mudanças nas relações internacionais impactam diretamente as organizações do terceiro setor, ressaltando a busca por parcerias inovadoras alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, abrangendo áreas como educação, meio ambiente, proteção infantil, direitos humanos e democratização.
“Não vamos voltar à cooperação e ao desenvolvimento como antes. As mudanças são irreversíveis, não vamos voltar aos valores que conhecíamos, devemos estar prontos para enfrentar esses desafios. Mas, acredito que a AVSI Brasil está bem estruturada, temos um portfólio de parceiros bem estruturado. E pensando no contexto da cooperação internacional atual, acredito que não teremos uma crise que prejudique o nosso trabalho.” Comenta Gianpaolo.

Colin Murphy trouxe a perspectiva dos Estados Unidos, destacando os impactos da redução do apoio governamental norte-americano a iniciativas humanitárias na América Latina. Joana Schettino reforçou os desafios da regionalização no continente e a necessidade de estratégias coordenadas entre países latino-americanos para garantir respostas eficazes. Representantes das agências da ONU, incluindo Maria Beatriz Nogueira, alertaram para as limitações operacionais impostas pela retração dos recursos internacionais, que dificultam a atuação em crises como a migração.

Sete anos de resposta à migração venezuelana
O segundo painel teve como foco a resposta à migração e ao refúgio de venezuelanos no Brasil, após sete anos de emergência humanitária, considerando o novo cenário da cooperação internacional. Participaram da discussão: Eduardo Nunes, gerente-geral da AVSI Brasil em Roraima; Luana Medeiros, diretora do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça – Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP); Eugênio Filho, da Coordenação-Geral de Serviços de Proteção em Calamidades Públicas e Emergências da Secretaria Nacional de Assistência Social – MDS; Maria Beatriz Nogueira, chefe do escritório do ACNUR em São Paulo; Tamara De Oliveira Simão, chefe do escritório do UNICEF em Roraima; e Maria Missilene Amaral Nascimento, da assessoria especializada do SUAS da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SEMADS) de Boa Vista – RR.

Eduardo compartilhou a trajetória da AVSI Brasil na consolidação do trabalho de acolhida em Roraima ao longo dos últimos sete anos. Luana Medeiros destacou os avanços na regulação migratória com a nova Lei de Migração e sua articulação com a Operação Acolhida, reforçando o papel da coordenação federal na garantia de direitos e proteção. Eugênio Filho abordou a transição das ações emergenciais para políticas públicas estruturadas no âmbito do SUAS, com foco na integração social das pessoas migrantes, e ressaltou a importância das parcerias multissetoriais no contexto migratório.
“Hoje não sei dizer outro parceiro com capacidade como a AVSI no tema do refúgio e migração, pelo tempo de atuação e pelo manejo técnico adquirido na resposta à emergência venezuelana”, afirmou Eugênio.
Maria Beatriz Nogueira enfatizou os desafios do período pós-emergência, quando o ACNUR passa a concentrar esforços em ações de integração e proteção contínua. Também resgatou a trajetória da agência desde o início da crise migratória venezuelana. Maria Missilene trouxe a perspectiva local, destacando a reconfiguração urbana e institucional de Boa Vista, que segue sendo referência nacional em acolhimento.

Sociedade civil e protagonismo local
No período da tarde, o painel O princípio de subsidiariedade e o fortalecimento da sociedade civil para o desenvolvimento reuniu Benedetta Fontana, especialista em projetos de desenvolvimento, Anne Wilians, do Instituto Nelson Wilians, Vanessa Alonso, da AVSI Brasil, e Juliana Leitão, da Associação Amazônia Ecologia Integral (AAEI).
Benedetta Fontana explicou que o princípio de subsidiariedade orienta a atuação da AVSI, privilegiando a escuta das comunidades e incentivando a autonomia local.
“O princípio de subsidiariedade estabelece que deve sempre ser privilegiado, em cada atuação, tarefa ou função, o nível de organização que seja mais próximo da pessoa e do cidadão (das famílias e das comunidades) desde que seja capaz de executá-las de forma eficaz.”Afirmou Benedetta
Anne Wilians destacou a filantropia estratégica como pilar para a sustentabilidade do terceiro setor, e Vanessa Alonso apresentou o projeto Acelera OSC, desenvolvido pela AVSI Brasil em Candeias, que fortalece organizações no entorno do empreendimento ACELEN, na Bahia, como exemplo de institucionalização local. Juliana Leitão apresentou a AAEI, nascida da experiência comunitária, cuja formalização se mostrou ferramenta essencial para a continuidade e responsabilidade compartilhada das ações.
Rumo a COP30
O segundo dia terminou com o painel Rumo à COP30, moderado por Ana Bianchi. Sérgio Xavier, enviado especial para a COP30 e coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, traçou um panorama da conferência e reforçou a urgência de uma agenda climática integrada entre governos, sociedade civil e parceiros internacionais. Jornalista e ativista socioambiental, Sérgio destacou a necessidade de uma transformação sistêmica, rápida e participativa, que una soluções locais e articulações globais. Criticou o distanciamento entre as decisões de cúpula e a realidade dos territórios, onde os impactos da crise climática já são visíveis, e defendeu uma mudança de rota: das ações práticas nos municípios para o centro das decisões internacionais. “A gente precisa mudar tudo ao mesmo tempo”, afirmou.
Victor Argentino, do Instituto Pólis, abordou a mobilização da sociedade civil e o papel da justiça socioambiental nas políticas climáticas. Reforçou que, no Brasil, temas sociais e ambientais caminham juntos, e destacou a importância da transição justa, que busca reduzir as emissões de carbono sem deixar trabalhadores e populações vulneráveis para trás. “Não basta falar de fim dos combustíveis fósseis ou da substituição dos caminhões a diesel por trens se a gente não considerar o impacto social dessas mudanças. A COP30 precisa ser um espaço para isso”, afirmou.
Edoardo Berzi, primeiro secretário para Assuntos Políticos da Embaixada da Itália, compartilhou a experiência italiana em cooperação internacional e iniciativas inovadoras como as ilhas flutuantes, exemplificando abordagens práticas para a adaptação às mudanças climáticas.
